7.9.10

Mãe


És tu, alma divina, essa Madona
Que nos embala na manhã da vida,
Que ao amor indolente se abandona
E beija uma criança adormecida;

No leito solitário és tu quem vela
Trêmulo o coração que a dor anseia,
Nos ais do sofrimento inda mais bela
Pranteando sobre uma alma que pranteia;

E se pálida sonhas na ventura
O afeto virginal, da glória o brilho,
Dos sonhos no luar, a mente pura
Só delira ambições pelo teu filho!

Pensa em mim, como em ti saudoso penso,
Quando a lua no mar se vai doirando:
Pensamento de mãe é como o incenso
Que os anjos do Senhor beijam passando.

Criatura de Deus, ó mãe saudosa,
No silêncio da noite e no retiro
A ti voa minh’alma esperançosa
E do pálido peito o meu suspiro!

Oh! ver meus sonhos se mirar ainda
De teus sonhos nos mágicos espelhos!
Viver por ti de uma esperança infinda
E sagrar meu porvir nos teus joelhos!

E sentir que essa brisa que murmura
As saudades da mãe bebeu passando!
E adormecer de novo na ventura
Aos sonhos d’oiro o coração voltando!

Ah! se eu não posso respirar no vento,
Que adormece no vale das campinas,
A saudade da mãe no desalento,
E o perfume das lágrimas divinas,

Ide ao menos, de amor meus pobres cantos,
No dia festival em que ela chora,
Com ela suspirar nos doces prantos,
Dizer-lhe que também eu sofro agora!

Se a estrela-d’alva, a pérola do dia,
Que vê o pranto que meu rosto inunda,
Meus ais na solidão lhe não confia
E não lhe conta minha dor profunda,

Que a flor do peito desbotou na vida
E o orvalho da febre requeimou-a;
Que nos lábios da mãe na despedida
O perfume do céu abandonou-a!...

Mas não irei turvar as alegrias
E o júbilo da noite sussurrante,
Só porque a mágoa desnuou meus dias,
E zombou de meus sonhos delirantes.

Tu bem sabes, meu Deus! eu só quisera
Um momento sequer lhe encher de flores,
Contar-lhe que não finda a primavera,
A doirada estação dos meus amores;

Desfolhando da pálida coroa
Do amor do filho a perfumada flor
Na mão que o embalou, que o abençoa,
Uma saudosa lágrima depor!

Sufocando a saudade que delira
E que as noites sombrias me consome,
O nome dela perfumar na lira,
De amor e sonhos coroar seu nome!...

[À minha mãe; Álvares de Azevedo]

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