24.3.10

Un bel di vedremo...


Histórias de amor permeiam nossos sonhos e pesadelos. Não raro misturam-se aos outros âmbitos de nossa vida, refazendo nós e desequílibrios. Esse será um post triste, mas bordoado por alguma esperança. Ao som da mais delicada das óperas, que traduz o mais sofrível amor.

Madame Buttlerfly é uma ópera magnífica, de Puccini. Estreou em 1904, embora o reconhecimento e sucesso tenham sido bem posteriores. Narra os meandros vividos por Cio-Cio San (M.Butterfly), uma gueixa que tem de casar-se com um tenente da marinha norte-americana, Pinkerton. Ele reside em Nagasaki por uns tempos com ela, mas parte e fica longo período ausente da ilha. Nesse ínterim, Butterfly tem um filho e mantém-se aguardando o retorno de seu amado, resignada. Quando questionada sobre a possibilidade de sua partida ter sido definitiva, ela se enfurece e diz: "Un bel di vedremo"... Um belo dia veremos uma fina fumaça no horizonte... 

Pinkerton volta. E casado com uma mulher americana. Procura levar o filho consigo, deixando Butterfly desnorteada e com o coração e a alma em pedaços. Ela aceita seu destino, e após despedir-se do filho, pratica o ritualístico hara-kiri. É a mais honrosa forma de cometer suícidio no Japão. E assim termina a triste e dolorosa caminhada de Cio-Cio San. 





Uma adaptação de 1998, feita a partir da peça original (e com trechos da mesma), ficou belíssima e exprime bem o nuance da ópera. Disponibilizo aqui a letra (é italiano, mas bem fácil de entender. Se quiser ver uma tradução pouco razoável, tem o Google Tradutor) e uma animação que a meu ver, resgata todo o sentimento contido e poetizado pela Madame. Há alguém que consiga separar a dor do amor?


"Un bel di, vidremo
Levarsi un fil di fumo sull'estremo
Confin del mare.
E poi la nave appare.
Poi la nave bianca
Entra nel porto, rumba il suo saluto.
Vedi? E venuto!
Io non gli scendo incontro. Io no.
Mi metto
La sul ciglio del colle e aspetto, e aspetto
Gran tempo e non mi pesa
La lunga attesa.
E...uscito dalla folla cittadina
Un uom, un picciol punto
S'avvia per la collina.
Chi sara? Chi sara?
E come sra giunto?
Che dira? Che dira?
Chiamera Butterfly dalla lontana.
Io senza dar risposta
Me ne staro nascosta
Un po' per celia, e un po' per non morire
Al primo incontro, ed egli alquanto in pena
Chiamera, chiamera:
"Piccina mogliettina
Olezzo di verbena,"
I nomi che mi dava al suo venire.
Tutto questo avvera, te lo prometto.
Tienti la tua paura, - io con sucura
Fede l'aspetto."



Vídeo (aconselho ver os delicados detalhes, que dão singular emoção ao canto):





Cabe ressaltar que do ponto de vista histórico a ópera adquire ainda maior sentido, pois exprime um momento no qual efetivamente ocorreram episódios do gênero. Quando da abertura do Japão ao mundo ocidental, muitas uniões levianas foram permitidas, e nem sempre com desenlaces à la Cinderela, como podemos ver em Madame Butterfly.

see u. *;


Fontes:
http://vagalume.uol.com.br/giacomo-puccini/un-bel-di-vedremo.html
http://farm3.static.flickr.com/2088/2697792884_d4b7bb22ec.jpg?v=0

21.3.10

Edgar Allan Poe



"Há qualquer coisa no amor abnegado e sem egoísmo de um animal que vai diretamente ao coração de quem tem tido frequentes ocasiões de pôr à prova a amizade mesquinha e a fidelidade frágil do simples Homem." 

(POE, Edgar Allan. Histórias extraordinárias. p.69-70).

19.3.10

Sobre corpos e relações

"Hold on
Hold on
Don't be scared
You'll never change what's been and gone

May your smile (may your smile)
Shine on (shine on)
Don't be scared (don't be scared)
Your destiny may keep you warm

'Cause all of the stars
Are fading away
Just try not to worry
You'll see them some day
Take what you need
And be on your way
And stop crying your heart out.
" (Oasis)


Nos atuais dias relações se resumem a corpos. Corpos que apenas se tangenciam, raramente penetram-se em profundidade. Corpos que aquecem-se em extremo frenesi em noites de sexo ardente e irrestrito; e que ao amanhecer esfriam-se ao ver que não tocaram-se as almas.

Às vezes nos deparamos com intensa amargura quando uma relação termina ou não acontece da forma como concebemos em nossas mentes. É natural. Mas tenho me perguntado duas coisas: era efetivamente uma relação? E se era, depende realmente de um outro nossa realização, satisfação e felicidade? Muitos manuais e redes sociais estão abarrotadas de frases clichês, como "Não posso viver sem você"; "Você é tudo para mim"; "Você me completa"...sempre relegamos a terceiros algo que tem de derivar de nossa essência. A felicidade e a completude estão dentro de cada um, o que ocorre em uma relação é uma espécie de suplementação...o outro leva-nos a tal êxtase que queremos dividir com ele nossa inteireza. E vice-versa. O grande dilema é que não somos tão completos e não nos permitimos isso. Explico: ao encontrar alguém especial vivemos experiências diferenciadas, que cotidianamente não ocorrem. Experimentamos sensações, delírios, que podem advir tanto de situações sexuais quanto do simples olhar, ouvir, tocar...e num piscar de olhos isso desaparece. O famigerado fim. E após isso, cada um externa algo próximo a sofrimento da maneira que mais tem a ver com a sua personalidade: alguns choram em meio a angustiosa solidão; outros ficam com ódio do outro, como se ele fosse o algoz de sua existência; há quem entregue-se a voluptuosas e passageiras relações, numa vã tentativa de esquecer a pessoa que incendiou seu corpo outrora. A questão que se põe é: como resolver?





Inicialmente, pondero que a felicidade não vem do outro, vem de nós. Sim. Aquele batimento acelerado ao mais singelo toque, a insana vontade da penetração, a loucura do encontro e as delícias da paixão não vem de fora, partem de dentro. São produzidas a partir da sua alma. Perceba isso e certamente começará a sentir-se mais leve. Dançar consigo mesmo pode ser angustiante no início, visto que necessitamos em demasia do contato tercerizado; mas pode auxiliar-nos a encarar futuras relações de modo mais maduro e menos superficial. Uma relação, para ser concreta, envolve entrega. Não importa se o outro também está se entregando...a completude que te alegra está imersa em você. Se nos permitíssemos mais o ato de entregar-se, envolver-se, sem medos e náuseas, talvez houvesse mais fluidez e continuidade nos relacionamentos.

Aprendi, após insólitas noites de sofrível amargura por pessoas que nem sempre mereciam a lembrança, que o amor é uma construção social. Mas construção ou não, faz falta. Só que ele vem com o tempo, muito tempo e nem sempre da forma como sonhamos e desejamos em impossíveis contos de fada. A prioridade é deixar que o amor que existe em nós penetre os outros, seja na forma de amizades ou envolvimentos amorosos. Inevitavelmente a entrega acontece e poderemos nos permitir conhecer quem queira compartilhar um pouco de sua alma conosco, sem ater-se a demagogias e ponderações em excesso. Viva o simples ato da entrega. Não seja apenas um corpo em algo que nem de longe te faz bem, seja como o vento e a árvore, que embora diferentes, tocam-se magicamente e entoam as mais lindas canções nos dias tempestuosos. O sofrimento certamente virá, pois fins e recomeços são parte do que somos, mas ele não irá impedir que continuemos exalando nossa essência e sorrindo por dentro ao notar que foi o outro que não se entregou e não se permitiu. Foi ele (ou ela) quem perdeu a chance de tornar-se um e tornar-se dois, de viver a plenitude da entrega sem analisar o depois ou o antes. O que realmente acontece está dentro do agora; e é aqui que toda a mágica se presentifica (é bonito perceber que o vocábulo presente tem conotação de doação também, e a entrega nada mais é que presentear - a si e ao outro -  no presente...).

Apenas divago e externo o que sinto e reflito, espero mesmo que discorde e ampliem. Ainda pretendo escrever a respeito de corpos e relações numa perspectiva da sexualidade. Só aguardar a inspiração!

Ao som de: "Requiem", do imortal Mozart.

see u.