25.4.10

I dreamed a Dream...


Ontem eu tive um sonho...não foi ambientado em colinas envoltas em um lânguido verde...não foi entoado com a doce voz do vento...tampouco foi a visão de um eu inexistente, fruto de crises do não-ser.

Em meu sonho eu acordava, e não haviam brumas de tempos anteriores irreais. Era real. Após longos anos de privações, tribulações, decepções e inúmeros ções que são apenas canções destinadas a melodiar o desespero sem rima...eu acordava. E sorria. Ah! Não sorria para alguém, eu sorria para mim. Transbordando por dentro em chamas de alegria desconhecida e incomensurável, eu sorria.

Em meu sonho o viver não era perpetuado apenas pela existência premente, ele era adocicado. Tal qual um néctar que se saboreia devagar, para jamais se findar... Vestes normais comprimiam meu corpo, um lar usual circundava meu espírito titubeante e um comum distúrbio exterior indicava a rotina já conhecida...mas eu brilhava.

Pessoas brilham. Brilham quando se aconchegam, se beijam, se entrelaçam, conquistam e findam o ato. E quando estão imersas em felicidade e torpor extasiantes e redundantes. E lá estava eu, a brilhar, talvez em virtude da soma de tudo...não queria calcular. Apenas sentir.


"[...] He slept a summer by my side.
He filled my days with endless wonder,
He took my childhood in his stride,
But he was gone when autumn came.

And still I dreamed he'd come to me
And we would live the years together,
But there are dreams that cannot be
And there are storms we cannot weather.

I had a dream my life would be
So different from this hell I'm living
So different now from what it seemed
Now life has killed the dream
I dreamed."

(I dreamed a dream - Les Miserables)

23.4.10

Momento Esopo


"A raposa e a pantera


Uma raposa e uma pantera discutiam sobre sua beleza. Como a pantera não parasse de gabar-se do brilho de seu pêlo, a raposa a interrompeu dizendo: "Eu sou mais bela que tu, eu sou brilhante não no pêlo, mas na inteligência!".

Moral: A fábula mostra que a grandeza da inteligência é superior à beleza do corpo."




Não raro nos vemos entregues ao torpor da beleza, efemêra, e obstamos em saborear as delícias de um espírito belo...


"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar,desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita."

(Carlos Drummond de Andrade, Amar, Antologia Poética, 1960).

19.4.10

Identidade e Hominidade


Hoje assisti ao filme Blade Runner, do Ridley Scott (1986). Para quem ainda não teve a oportunidade, eu recomendo!! Enfim, o fato é que todo o contexto me proporcionou algumas reflexões, não sei se úteis, mas que assim mesmo aqui se dilatarão.

Atualmente muitas discussões são construídas tendo por base o elemento identidade, mais propriamente a identidade do homem. Até que ponto a influência midiática afeta a memória e identidade coletiva, indiretamente (ou diretamente?) agindo sobre a memória pessoal? São questões que o filme aponta, de saborosas maneiras.


O Lucas me passou um trecho de uma resenha (tendo em vista o vasto conhecimento sobre a minha pessoa) que resgata uma nuance interessante que percebi no roteiro:

"Enfim, não é suficiente o “cogito ergo sum” (como disse a replicante Pris para J.F. Sebastian: “Penso, Sebastian, logo existo”). Ou seja, não basta apenas “pensar para existir” (a referência sarcástica à famosa frase de Descartes sugere uma critica do racionalismo cartesiano, base da filosofia do sujeito e da civilização do capital). Estamos diante de uma aguda contradição: o homem demonstrou ser capaz de dar a vida, mas não conseguiu ainda ser capaz de dar-lhe um sentido. Ou melhor, o homem ainda não se tornou capaz de constituir um campo de desenvolvimento humano, onde a vida possa ser plena de sentido. Os Nexus 6, em seus curtos quatro anos de vida útil, estão condenados a sofrer de forma infinitamente intensa esta experiência trágica. Talvez nós, homens e mulheres, possamos sofrê-la de forma mitigada."¹



Os replicantes são formas de vida criadas pela Tyrell Corporation, em 2019. São em tudo similares aos humanos, exceto pelo fato de não possuírem memórias próprias e seu tempo de vida útil ser, como já dito, de quatro anos. São meros objetos da reprodutibilidade técnica, nos quais está imbutido um sentido de valor cujo limiar não chega à hominidade. Nós não somos, ao fim e ao cabo, meros produtos também?? Refinados, com personalidade e especialização diversos, mas ainda assim previsíveis e com padrões emocionais que nos distinguem dos sem-memória ou sem-humanidade? Se você morrer amanhã, uma ou duas míseras almas podem até sentir a perda por uns dias, mas o sistema (capitalista ocidental) decerto não sentirá. Pode parecer melancólico e marxista (novidade né?), mas retirando uns excessos, chegamos à intragável tarefa de perceber aonde começa o homem e aonde termina a peça. A construção.


Muitas pessoas tem dificuldade em tecer suas próprias personalidades, agindo vampiricamente com o meio externo, e por isso mesmo, são verdadeiras mímeses dos outros. Não critico isso, apenas constato. Identidade e personalidade não são obras do acaso e da geração espontânea. Já li estudos (lembro a fonte não) que asseguravam que mesmo quando bebês já temos atitudes e noções particulares, indícios de personalidade. Eu, pessoalmente, espero que seja verdade. Não é agradável a idéia de sermos simples e descartáveis componentes do complexo modo de produção. E eu nem considero alienante o capitalismo e a mídia. As pessoas que se alienam. Eu defendo a idéia de troca, através da qual os homens se reconhecem externamente, mas não absorvem de forma integral a mensagem, filtrando apenas o que lhe é interessante e útil. É nesse ponto que reside a beleza e unicidade do ser humano, paradoxalmente tão único e tão similar. Pode ser reposto, mas sempre ficará um vazio na alma dos que sabem do amor.


Finalizo esse post viajante com a mais bela (em minha opinião) frase do filme, poética e melancólica. Quando tiver mais tempo e mais mente, quem sabe não alongo esses produtos de alucinação...



All those moments will be lost in time like tears in rain. Time to die. (Roy).



¹http://www.telacritica.org/BladeRunner.htm
Imagem: Criança Geopolítica Assistindo ao Nascimento do Novo Homem – Salvador Dali - 1943

18.4.10

Infinitamente belo e insuportavelmente efêmero.



a verdade. ela estava lá todo o tempo, com seus olhos assombrados, dizendo...
de nada adiantou desviar-me, enganá-la, cubri-la com pequenos mantos...ela manteve-se lá.
sua tez pálida ria surdamente de meus percalços, fitando-me com desdém.
engalanada em pomposas vestes fúnebres, ela aconchegou-se e me abraçou.
e não pude mais descrer. a verdade viera à tona.

12.4.10

Deslumbramento e Desvarios


"A desgraça é variada. O infortúnio da terra é multiforme. Estendendo-se pelo vasto horizonte, como o arco-íris, suas cores são como as dele, variadas, distintas e, contudo, intimamente misturadas. Estendendo-se pelo vasto horizonte como o arco-íris! Como é que, da beleza, derivei eu um exemplo de feiúra? Da aliança da paz, um símile de tristeza? Mas é que, assim como, na ética, o mal é uma consequência do bem, da alegria nasce, na realidade, a tristeza. Ou a lembrança da felicidade passada é a angústia de hoje, ou as agonias que existem agora têm sua origem nos êxtases que podiam ter existido.".


(Extraído do conto Berenice, de autoria de Edgar Allan Poe. Foi escrito em 1835.)




Quando li esse conto fiquei extasiada com essa introdução, se é que podemos chamar assim o primeiro parágrafo do conto do brilhantíssimo Poe. Lembro-me de fertéis conversas com minha amiga Natália, em que percebíamos que a vida e os possíveis sofrimentos advindos no seu desenrolar são meros produtos do "se". Se tivesse sido...Se fosse assim...Se...Se... Desapeguemo-nos do se, vivenciemos as possibilidades concretas que a vida nos oferece, saboreemos a nós mesmos sempre! Talvez nós descobriremos que sofrer ante tanta beleza e harmonia seja tolice.


Imagem: Pablo Picasso.

té.

11.4.10

Desencanto

"Leve então
O resto desta ilusão
E todos os cuidados meus
Brinquedos dos caprichos

É pena porque foi tão lindo amar
Sentir você sonhar tão junto a mim,
Ouvir tanta promessa,
Fazer tanta esperança,
Pra hoje ver lembrança, tudo enfim

Nâo passou
De um triste desencanto, amor,
E desde então eu canto a dor
Que eu não soube chorar."

Chico Buarque.





Leveza e Firmeza podem ser servidos na mesma taça.
E na bandeja bordejada de prata, traga-me Equilíbrio e Paixão.
Sobremesa, cairia bem Amor e T.